Elogiada como resposta humanitária eficiente à crise migratória, a manutenção e reforço dos investimentos da Operação Acolhida defendida pelos debatedores que participaram de audiência pública no Senado nesta quarta-feira (23). Promovido pela comissão mista permanente sobre migrações internacionais e refugiados, o debate focou nas ações desempenhadas pela operação foi criada em 2018 para recepção e organização do fluxo de imigrantes e refugiados venezuelanos.
Sob coordenação do governo federal, a Operação Acolhida tem a participação de onze ministérios, de agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e mais de cem entidades da sociedade civil. Essa ação já possibilitou a organização, triagem, documentação e encaminhamento a abrigos de mais de 800 mil venezuelanos. Desses, 400 mil decidiram permanecer no Brasil e cerca de 87 mil foram interiorizados em mais de 800 municípios brasileiros.
A oficial de proteção do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Silvia Sander, classificou a operação como um “exemplo global” de resposta humanitária, que tem uma feição inovadora na resposta à chegada de imigrantes e refugiados e também no fortalecimento do amparo às comunidades de acolhida. Nesse sentido, ela disse que, além das ações emergenciais, é necessário se pensar no planejamento de políticas públicas mais eficazes para os processos mais duradouros de interiorização e reintegração dessas pessoas.
— É importante também promover progressivamente a transição dessa resposta emergencial humanitária para ações de desenvolvimento que se voltem a inclusão social, cultural e econômica desses refugiados e migrantes aqui no território brasileiro e que também favoreçam as comunidades de acolhida — ressaltou.
A Operação Acolhida conta com três eixos de atuação: ordenamento da fronteira, abrigamento e interiorização. A Acnur, assim como outras entidades, oferece apoio na acolhida inicial e no acompanhamento da reintegração dos venezuelanos nas localidades. Eles auxiliam na gestão de nove abrigos, sendo sete localizados em Boa Vista, capital de Roraima, e dois em Pacaraima (fronteira com a Venezuela). Atualmente há 7.096 pessoas abrigadas.
Na avaliação da assessora especial para o Chefe de Missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Socorro Tabosa, a organização da Operação Acolhida é uma prática de referência na região como política de Estado. Segundo ela, com a entrada de 14 mil venezuelanos no Brasil por mês é preciso reforçar sua estruturação para possibilitar a manutenção do eixo de interiorização e a reintegração desses imigrantes, garantindo serviços e direitos básicos.
— Há um desafio importante que é o apoio da capacidade dos governos locais de atender as peculiaridades e vulnerabilidades da população refugiada e migrante. Nesse sentido, apesar de ser uma resposta emergencial referência de boa prática na região ela deve ser complementada com o objetivo de desenvolvimento, priorizando a integração social e econômica dos refugiados e migrantes venezuelanos assim como reforçando o apoio aos gestores e as redes de políticas públicas local.
O professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), João Carlos Jarochinski que também atua diretamente na Operação concordou com a necessidade de se pensar uma dinâmica que vá para além do atendimento emergencial.
— Dentro dessa interiorização vale a pena nós prestarmos um pouco mais de atenção a algumas modalidades, notadamente a de cunho da integração social para que nós não tenhamos uma transferência de vulnerabilidade de problemas sociais de Roraima para outros locais. Acho que a interiorização é uma das medidas mais bem sucedidas, porque você tem um compartilhamento de responsabilidades entre diferentes entes federados (…) A gente percebe que aqui dentro da fronteira a gente precisa ainda de uma melhoria, uma ampliação de alguns tipos de atendimento principalmente esses focados em relação a vulnerabilidades específicas. Porque pensar a integração dessas pessoas é algo mais complexo — acrescentou.
A procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no Amazonas e Roraima (MPT), Alzira Melo Costa manifestou preocupação com a continuidade das atividades da Operação Acolhida. Ela teme que as ações sofram alterações com a mudança de governo.
— Aqui, o Amazonas e o estado de Roraima são afetados de uma maneira muito significativa por esse fluxo migratório. A possibilidade de retirada da Operação Acolhida, que deixe de ser um projeto de estado e passe a ser considerado como projeto de governo, apenas do governo passado, nos causa severo temor porque o que nós vemos é uma participação relativamente pequena dos poderes executivos locais. Ou seja, tudo o que diz respeito a migrantes refugiados venezuelanos praticamente é visto como um problema da Operação Acolhida. Não havendo uma completa inserção da responsabilidade dos poderes executivo municipal e estadual — afirmou.
No entanto o senador Paulo Paim (PT-RS) ressaltou que não há nenhuma possibilidade de a Operação Acolhida ser reduzida no próximo governo. Ele reforçou o caráter de Estado da operação, iniciada no governo Temer, e o apoio às políticas humanitárias pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
— A Operação Acolhida não tem que ser desse ou daquele governo. Tem que ser uma política permanente, que vá se aperfeiçoando, e vocês podem todos contar com a colaboração aqui dos senadores. (…) As informações que eu tenho são precisas e claras de que não haverá nenhum retrocesso. Toda e qualquer proposta, desse ou daquele governo, que está indo na visão das políticas humanitárias não pode ter nenhum retrocesso — garantiu Paim.
Terceira-secretária do Ministério de Relações Exteriores (MRE), Anna Paula Ribeiro Araújo Mamede disse que a pasta segue atuando na promoção de diálogo com os atores nacionais e internacionais, na coordenação entre os países e na ampla divulgação dos esforços brasileiros. Esse trabalho, segundo ela, tem rendido reconhecimento internacional ao Brasil, o que exige novos esforços e novos investimentos.
— Eu acredito que o reconhecimento internacional da Operação Acolhida acontece no momento em que a operação precisa de novos recursos. Você tem um contexto de crescente mundial de demandas humanitárias. O Acnur estima que mais de 100 milhões o número de pessoas forçadas a se deslocar dos seus lugares de origem. Então nesse cenário de quase disputa de recursos humanitários você tem a necessidade de manter a visibilidade da crise na região, que continua a exercer forte pressão sob serviços — explicou, referindo-se ao fluxo migratório proveniente da Venezuela.
O deputado federal Nicollety (União-RR) elogiou a Operação Acolhida, ressaltou a presença das Forças Armadas na organização e no primeiro momento de acolhida e abrigamento. No entanto, pediu que o governo federal reforce os investimentos públicos com o objetivo de promover maior acesso a serviços básicos população dessas localidades. Segundo ele, como grande parte dos venezuelanos acabam decidindo permanecer nas cidades da Região Norte, atendimentos em educação, saúde e segurança têm sido comprometidos por falta de recursos.
— Então a preocupação não é só com o brasileiro, que não está conseguindo se matricular porque faltam escolas ou creches, mas também a preocupação tem que ser com eles. Se eu quero tratar bem quem está vindo de fora, eu tenho que investir com mais escolas, com professores capacitados, tem que ter alimentação para os alunos também, eu tenho que investir mais em segurança pública, contratando mais policiais para fortalecer a segurança pública — argumentou.
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