Em audiência pública promovida pela Comissão de Educação (CE), na tarde desta terça-feira (22), debatedores divergiram sobre o impacto do ensino domiciliar na rede privava e na sociedade. Enquanto alguns convidados apontaram riscos de pouco aproveitamento escolar e aprofundamento das diferenças sociais, os defensores da modalidade apontaram ganhos econômicos e respeito à liberdade das famílias.
O senador Flávio Arns (Podemos-PR), relator da matéria que trata do assunto (PL 1.338/2022), foi quem coordenou a audiência, que ocorreu de forma remota. Ele disse que o debate é importante para refletir sobre a proposta e contribui para um relatório que atenda às demandas do setor. O senador lembrou que, conforme o texto atual, a matrícula em uma escola pública ou privada será exigida, mesmo que a família decida pela educação domiciliar.
— A realidade de cada contexto precisa ser avaliada. Precisamos pensar na articulação de como as escolas privadas vão oferecer essa possibilidade — declarou o relator.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) elogiou a qualidade do debate e disse que é preciso um olhar diferenciado sobre a educação. Ela classificou o ensino domiciliar como “temerário”, por tirar da criança o direito à socialização e disse que a educação tem outros temas mais urgentes a serem debatidos. Para a senadora, a convivência com a diversidade é essencial para a formação do respeito e da cidadania.
— Respeito ao diferente a gente aprende na escola e não isolando os alunos — afirmou a senadora, que também defendeu mais investimentos na educação de qualidade.
A coordenadora do Conselho de Representantes dos Conselhos de Escola (Crece) de São Paulo (SP), Melissa Saraiva, disse que a experiência da pandemia do coronavírus mostrou que o ensino domiciliar “infelizmente não funciona”. Segundo Melissa, o Crece vem conversando com alunos e pais e tem colhido uma impressão negativa do ensino domiciliar. Ela relatou que não foi possível garantir a conectividade para todas as regiões da cidade, mesmo com a prefeitura oferendo tablets para os alunos.
— Precisamos lembrar que o retorno da pandemia mostrou um retrocesso muito grande nos alunos. Muitos não lembravam como fazer as contas básicas e mostravam dificuldades em ler e escrever — alertou.
De acordo com a coordenadora do Crece, também houve muitos registros de abuso psicológico, físico e sexual no período em que as crianças ficaram reclusas. Ela disse que a escola é “um seio de proteção” e indicou o ambiente escolar como propício para que esses abusos sejam relatados e tratados. Melissa ainda apontou que o projeto precisa ser repensado na questão da comprovação da frequência.
O advogado Ricardo Furtado, membro do Conselho de Advogados da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), disse que sua organização não se posiciona de forma contrária ao ensino domiciliar, mas pede uma reflexão sobre questões jurídicas. Para Furtado, o ensino domiciliar pode ser visto como um privilégio para as famílias mais ricas, que podem pagar professores particulares e comprar recursos. Ele alertou, no entanto, para os riscos da exclusão, da criação de castas e do aprofundamento das diferenças sociais no país. Segundo o advogado, o ensino domiciliar pode também levar o estado a abrir mão de investimentos na educação.
— A educação é posta na Constituição como uma política pública, que pode ser promovida com o auxílio da sociedade — ressaltou Furtado, que sugeriu uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para tratar do assunto.
O coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Gilson Luiz Reis, disse observar ataques à escola como “política ideológica”. Para Gilson Reis, o enfraquecimento da escola pode facilitar o risco do surgimento de estados autocráticos. Ele disse que a escola é o espaço da troca e do contraditório. O homeschooling seria, na visão de Reis, uma exclusão desse importante aprendizado.
A professora Vanessa Mota, membro da Associação das Famílias Educadoras de São Paulo, avalia a possibilidade de ensino domiciliar como positiva, diante do que ela vê como qualidade de ensino, liberdade educacional e respeito aos direitos humanos. Ela lembrou que o projeto prevê a participação do estado e das escolas privadas.
Vanessa contou que deixou o ensino tradicional diante da pouca inovação do aprendizado. Ela relatou que 75% dos seus alunos não conseguiam completar um parágrafo com pleno entendimento. Para a professora, o homeschooling não oferece risco a nenhum modelo já existente e possibilita às famílias outras formas de educar.
Segundo Vanessa Mota, a iniciativa privada pode ter um novo nicho, com famílias que não se adaptaram ao modelo privado de ensino tradicional contratando professores para seus filhos. Ela afirmou também que o Supremo Tribunal Federal (STF) já considerou como constitucional a prática do ensino domiciliar.
— A educação brasileira precisa de avanços. Precisamos pensar na liberdade da família em oferecer mais aos seus filhos. No projeto, as instituições privadas aparecem como parceiras das famílias – afirmou.
Para Marcelo Francisco Mateussi, diretor jurídico da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina (Afesc), muitas vezes as opiniões são colocadas com base em ideologias e palpites. Para Mateussi, o projeto pede uma discussão mais profunda. Ele apontou algumas vantagens no modelo, como a economia para o governo, o interesse pessoal do aluno e mais oportunidades para professores particulares, que seriam contratados pelas famílias.
Segundo Mateussi, a doutrina da igreja católica legitima a "primazia da família" na educação de seus filhos. Ele disse que em mais de 60 países, a maioria de países desenvolvidos, o ensino domiciliar é legalizado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o homeschooling é autorizado há 30 anos.
— Nesses países, não houve prejuízo às instituições privadas de ensino. No Brasil, não há lógica para que seja diferente — argumentou Mateussi, acrescentando que há cerca de 70 mil alunos em ensino domiciliar no país, número considerado por ele como irrisório para significar alguma ameaça à rede privada de ensino.
O diretor do Instituto de Estudos Avançados em Educação, Edivan Mota, disse que o texto da Câmara dos Deputados precisa ser melhorado no Senado. Para Mota, o projeto “consolida a vontade do constituinte”, ao colocar o estado e a família como parceiros na educação.
Para a gerente da Câmara de Educação Básica da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), Roberta Valéria Guedes de Lima, as redes pública e privada de educação precisam preparar o aluno para a sociedade. Roberta Lima disse que as famílias e as escolas são complementares, mas opinou que o ensino domiciliar termina por desconsiderar o sentido e a vocação da escola para lidar com a pluralidade.
— A sociedade não é a justaposição de indivíduos, mas a integração de indivíduos. Apesar da sua importância, a família não pode substituir a escola – afirmou Roberta.
A audiência foi realizada de forma interativa, com a participação de cidadãos por meio do portal e-Cidadania. O senador Flávio Arns destacou algumas dessas mensagens. A internauta Ana Carolina, de Minas Gerais, afirmou que a escola é um ambiente de socialização, que é essencial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Jucieli Araújo, do Rio Grande do Sul, disse que o homeschooling é excelente. Para ela, os casos de bullying mostram que as escolas tradicionais falham na socialização. Já Edna Cardoso, do Distrito Federal, questionou como socializar as crianças se elas ficarão isoladas com o ensino domiciliar.
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